I. Pedro Figari en hipertexto

¡Esta es una revisión vieja del documento!


Bastide, Roger: "Tenho um Encontro Marcado com os Negros... (Impressões Uruguaias)", en Diário de São Paulo, 27 jul. 1945, p. 4. (Publicado en Jorge Schwartz: Vanguardas latino-americanas. Polêmicas, manifestos e textos críticos. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo, Edusp, 2008, pp. 687-689).


Tenho um encontro marcado com os negros… (Impressões uruguaias)
Roger Bastide

O negro uruguaio foi muito bem estudado por Ildefonso Pereda Valdés que lhe dedicou inúmeros livros. Aliás, esse escritor é muito conhecido no Brasil, pois seu interesse pelas questões africanas o levou a estudar também os problemas afro-brasileiros e I. Pereda Valdés, que não se esqueça que ainda é um excelente poeta, traduziu para o castelhano os versos de vários poetas de cor brasileiros.

Encontrei nele também um guia amigo e obsequioso e visitei em sua companhia o bairro negro de Montevidéu. Bairro negro… talvez seja um ternio bem pretensioso, sobretudo nesta América Latina que não conhece o preconceito racial. Na verdade trata-se de uma rua, a rua Celsina [sic}, onde por acaso se estabeleceram muitos negros, constituindo um centro pitoresco e simpático do velho Montevidéu. Não longe daí, pode-se admirar a porta da velha cidadela, um dos raros fragmentos da arquitetura colonial que resistiu. Meninos pretos e brancos brincam na calçada; negrinhas vão fazer compras com esse balançar ondulante que lhes dá o encanto de felinos civilizados. Não se ouve mais, no entanto, o tam-tam dos tambores africanos, nem o canto selvagem, nem a terna cantilena de amor dos tempos da escravidão.

Não me cabia estudar a situação social dos negros de Montevidéu, mas tinha um encontro marcado com eles. Aproveitando a minha estada, não podia deixar de passear e sonhar lá, onde eles passeiam e sonham. Na verdade se se quiser saber que houve num dado momento uma civilização negra no Uruguai é preciso ler os livros de Ildefonso Pereda Valdés e contemplar os quadros de Figari.

Só conhecia Figari por intermédio dos dois quadros seus que existem em São Paulo. Ele havia, no entanto, imediatamente me seduzido e graças à amizade de Jules Supervielle, que de muito boa vontade me levou à casa da filha do pintor, foi-me possível contemplar a coleção desse grande artista, admiravelmente arranjada.

Figari, durante sua infância, viveu nos grandes salões coloniais, onde dançava uma aristocracia de estancieiros, salões que abriam suas janelas sobre os prados, onde o vento arranca o perfume das flores de laranjeira para depô-lo na cabeceira das moças brancas, vestidas com grandes vestidos imperiais. Ele também saía para se misturar com os negros, assistia a seus casamentos, onde uma linda africana aparecia dançando com seu corpo de ébano, com a doçura leitosa de um véu de tule, ou participava dos candomblés e dos ritos dos curandeiros; sua infância se entristecia ainda com os enterros dos negros, com os coches miseráveis que se dirigiam para os cemitérios dos campos, através das ruas melancólicas sob um céu pesado de tanto azul. Tudo isso, todas essas recordações, todas as imagens antigas depositaram-se no mais profundo de seu “eu”; dormiram aí muito tempo, passaram no decorrer dos anos por não sei que lírica metamorfose e quando mais tarde Figa ri pegou um pincel para fazer reviver esse mundo já desaparecido, guardado para sempre no esquecimento, conseguiu fazer a mais sedutora das ressurreições do antigo Uruguai.